Tentando entender as coisas
Todo dia eu penso: podia sentir menos e menos e menos. Mas não adianta, tudo me atinge, abala, afeta, arrebata, maltrata, alegra, violenta de uma forma absurda e intensa. Nasci pra ser intensa e dramática.
Frequentemente, tenho a sensação de que a vida das outras pessoas é tão simples e que só a minha que é complicada. Tenho andado meio infeliz ultimamente. Sei que até parece pecado dizer isso perto de tanta gente quase morrendo e passando necessidade. Sei que tem muita gente que não tem onde morar, o que comer, o que vestir. Sei que muitos não têm emprego, família, amor. Sei que muita gente tem doença terminal ou algum transtorno grave. Sei de tudo isso, mas desculpa, preciso falar a verdade: ando meio infeliz. Às vezes tenho a impressão de que sempre tenho que estar bem disposta, ser legal, amiga, gente boa. Não tenho o direito de ter problemas, estar de cabeça quente ou cheia ou simplesmente de estar assim, meio infeliz da vida. Com licença, estou infeliz. Estou mesmo. Não sei dizer o motivo, são algumas frustrações, algumas coisas muito minhas, algumas mágoas que não consigo colocar para fora, porque eu sou assim, escrevo, escrevo e escrevo, mas na hora de abrir a boca pra falar nem sempre sai. Tem coisa que guardo, tranco lá dentro e jogo a chave fora. Preciso me sacudir e fazer a coisa toda sair, mas nem sempre dá, então fico nessa vibe meio infeliz de tudo, infeliz com tudo, infeliz pra sempre. Até o dia que deixar de ser. Até o dia que conseguir falar, me expressar, fazer sair. Preciso de um laxante para as emoções.
Nunca sei direito se a vida me fez assim, as situações fizeram com que eu me tornasse assim, não sei, não sei. A última e única coisa que lembro é de sentir. Eu sinto o sentir. Sei que parece papo de louco, mas é verdade, é real, sinto demais. A realidade me consome. Mas me consome e-xa-ge-ra-da-men-te.
Um dia, perguntei para o psiquiatra: sou bipolar? Ele me disse: de bipolar você não tem nada. Você é sincera e tem sentimentos intensos. E me explicou a origem da palavra sincera, que vem do latim e significa "sem cera". Antigamente, carpinteiros e escultores usavam cera para disfarçar os defeitinhos de esculturas e móveis de madeira. Então, eles lixavam, passavam verniz e tudo ficava aparentemente perfeito e em ordem. O aspecto das peças era magnífico. Com o passar do tempo, do frio, calor e uso, a cera ia se desmanchando e os defeitos iam ganhando vida. Sinceridade é "sem cera", ou seja, sem máscaras, sem retoques, sem querer ser o que não é. Achei bonita a explicação dele. E triste. Dói ser "sem cera".
A vida maltrata quem sente demais. Quem sente demais acaba sofrendo mais que a maioria das pessoas. Tudo importa, tudo é exagerado, tudo é sentido de corpo e alma. Alma, principalmente. Pessoas "sem cera" têm a alma do tamanho de um bonde. Não acho que eu seja a pessoa mais sincera do planeta. Eu minto de vez em quando. Tenho inveja. Tenho defeitões. Mas eu sempre agi de acordo com meu coração, meu instinto, meu amor pelas coisas. A gente precisa ter amor pelas coisas. E raiva também, pois nem só de amor e sinceridade se vive.
A raiva serve para a gente colocar pra fora o que está desajeitado no peito. Porque de vez em quando tudo vira zona, bagunça. Precisamos arrumar, colocar ordem no nosso galinheiro. Não é fácil nem rápido, mas é necessário.
Por ser assim, sinto dores que não são minhas, tomo dores que são dos outros. Mas esse é meu jeito. Desde pequena, quando tava na primeira série e defendia o meu irmão, que era mais velho. Sempre fui desse jeito. E não acredito que vá mudar. Mas quer saber um segredo? Nem quero. Antes ser assim do que passar pela vida só vivendo um dia depois do outro. Se é pra viver, que seja de forma intensa.
Por Clarissa Corrêa | |