Se nada der certo
É hora de viver de Verdade. Mas para isso, é preciso ter coragem.
Dentro de cada um de nós existe uma luz guardiã dos sonhos. É uma criança que brinca e que tem todo o futuro pela frente, todo o amanhã se levantando no horizonte. É a pessoa idosa cheia da sabedoria existencial que só o tempo agrega à consciência, e que sabe que quando o sol se põe, um dia termina, mas a vida continua, e renasce o sol em algum lugar. Esse centro energético de luz, infância e sabedoria que habita a vida humana fomenta, desde a pré história, aos dias de hoje, todos os desejos, bem como a esperança e o movimento para a construção da abundância e desenvolvimento da humanidade. De toda humanidade e da humanidade em cada um. É a parte mais iluminada do Ser Humano, é o que nos motiva a levantar das quedas, a cuidar das feridas, a acolher o bicho e a gente, a preservar a Terra – mesmo que de dentro do apartamento na periferia de um grande centro urbano.
Antes da ideia de competição de espécies para sobrevivência, esse princípio de vida é a solidariedade que promove a unidade e a manutenção da vida compartilhada. Em algum momento, no entanto, nos tornamos sombrios, cínicos ou céticos, e o desespero substituiu a esperança, e o medo tomou lugar da fartura: deixamos de viver para sobreviver, numa frieza afetiva que nos leva às guerras. E já que escolhi escrever em linguagem figurada, alerto: guerras efetivas, entre nações e exércitos mas, sobretudo, guerras internas, entre emoções e afetos.
É hora de viver de verdade. De curar corações partidos por todo tipo de violência e trauma que se vem sofrendo do nascimento até aqui. De mudar as lentes e poder olhar com clareza a vida. De transmutar a dor em aprendizado e sabedoria, e fazer a real transformação do mundo: a do seu mundo interior. É tempo de amar a Terra e cuidar dela e de cada um dos seus habitantes como sua casa e sua grande família. E não é fácil.
Porque para se viver de verdade é preciso ter coragem. Coragem. A ação que vem do coração, não esse de carne e sangue que pulsa dentro do peito, mas o coração do Ser, o centro energético que pulsa a vida em cada um de nós. Mas há muito tempo deixamos de ouvir o coração. Resolvemos nos apoiar na Mente, que tantas vezes, tagarelando entre medos e fantasmas, nos mente. E, crendo em suas mentiras e enganos, deixamos de viver para sobreviver, sem reconhecer a voz intuitiva do coração, portadora da coragem necessária para a vida plena e abundante.
A voz que nos diz para confiar e parece ingênua é, antes, sábia. Você está aí, parado, lendo este texto, comendo um petisco e ouvindo uma música, tudo ao mesmo tempo e sem concentração em nada, crente de que está no controle da vida e que não pode confiar em ninguém, responda: quem está no comando dos seus batimentos cardíacos agora? Quem, neste planeta, tem inteligência e tecnologia para, neste exato momento, reger o ciclo lunar ou o movimento dos planetas em torno do sol? Não, não é você, nem sou eu. É algum tipo de harmonia superior à nossa existência e consciência, que você pode chamar de natureza, física ou dar um nome sagrado – mas que, sem dúvida, não se controla, mas se pode confiar. O coração nos ensina essa confiança corajosa: não em si mesmo, prepotente; não no outro, impotente; mas na vida, polivalente.
Essa voz interior que fala de cura e confiança, de cuidados e nutrição, de amor e força, nos leva ao auto-conhecimento necessário para realizar nossos sonhos através do desenvolvimento contínuo de nós mesmos. Ela nos chama para dentro, para que possamos viver aqui fora. Viver de verdade: sem acúmulo de natureza material, mas com fartura compartilhada; sem o desperdício do alimento ou do tempo, mas com o sabor de cada sensação desfrutada. Viver com gratidão. Gratidão, de graça, em graça: viver na presença daquilo que nos transcende e é Sagrado, ou seja, em plenitude e abundância, sem medos, mas com confiante coragem para construir um mundo novo.
Hoje, ao pôr do sol, observe no horizonte aquela figura idosa de mãos dadas com a criança andando sobre a luz. Experimente olhar para além do mundo físico, e reencontre suas verdades mais secretas. Ouse acender uma estrela no coração quando a noite cair, e a acompanhe pelo universo sideral refletido em sua alma até que ela lhe indique a direção da realização da sua pessoa. Faça uma fogueira que ilumine sua escuridão, e que aqueça sua solidão, acolhendo ao seu redor aqueles pares que vai encontrar nesse caminho que vai percorrer. Aceite viajar pela vida, sem a falácia das certezas racionais, mas com a proteção da sabedoria inconsciente da própria essência.
Assim, se nada der certo, ao menos você viveu de verdade. E terá sido você mesmo – o que é bom o suficiente.
Cátia Rodrigues