Aceitação: Tempo para aprender com as situações da vida

30/06/2015 09:28

A menina tinha medo de inseto e borboleta. Um dos últimos lugares que ela entraria tranquila seria em um borboletário. Mas, foi exatamente isto que ela fez. Ela não sabia que haveria centenas de borboletas voando ao seu redor. Por isto, quando ela se deu conta da proximidade, já era tarde.

 

O medo e a insegurança roubaram dela todas as memórias agradáveis do passeio e transformaram seus momentos em pura tensão. Normalmente, ela sairia correndo de dentro do borboletário, com o “coração a mil”. Naquele dia foi diferente.

 

Havia uma situação nova: estar dentro de um borboletário. Existia uma situação antiga: medo de borboleta. A situação nova estava sendo dominada pela antiga. As pessoas agem assim a maior parte do tempo. Elas usam aprendizados e condicionamentos antigos para se distanciarem do presente. Distância: ela estava feliz e alegre com o passeio; com o medo, ela esqueceu esta parte de sua vida e focou somente o medo.

 

As pessoas estão muito acostumadas a usarem parte da mente para se distanciarem da situação nova que é o presente. Nem percebem o que fazem, nem sabem muito bem o que é viver no presente. O aprendizado novo surge das experiências do presente, é com ele que podemos superar medos, traumas, ideias erradas ou incompletas, inseguranças, etc. Temos mais oportunidades de aprender com a vida se vivermos no presente.

 

Viver o presente significa, entre outras coisas, viver a contradição de nossa mente. A menina queria sair correndo, mas resolveu ficar. Ela ficou, mesmo sentindo medo e insegura. Ao mesmo tempo ela se focou em outro objetivo: estou aqui, aqui vou ficar para aprender. Dentro dela existiam duas polaridades fortes (medo/fugir e ficar/aprender). Poderiam ser três lados ou mais. O presente é assim: sempre estimula vários lados de nossa mente ao mesmo tempo.

 

Em nossa mente sempre existem vários lados. Um “lado” quer emagrecer, mas outro quer comer. Um é preguiçoso e o outro quer fazer exercício. São algumas das divisões mais comuns das pessoas. Quando há o “viver no presente” estes lados podem se expressar ao mesmo tempo na mente.

 

Esta foi a escolha da criança. Ela aceitou sentir medo. Ela aceitou experimentar ficar dentro do local focando na beleza das borboletas, no vôo delas e no risco que sua mente lhe dizia que existia. A todo momento perguntava para o pai: “elas não vão me machucar, não é?” O apoio do pai foi fundamental. Com seu estímulo ela se manteve vivendo no presente.

 

É importante afirmar que em nenhum momento ela se refugiou em pensamentos. Nem nos negativos e nem nos positivos. Os dois são ruins, dificultam viver no presente. O pai poderia ter dito algo motivador e enganador: “você é forte e poderosa, nada vai te vencer”. Por um momento ela fugiria da realidade e ficaria mais aliviada. Mas, logo a auto-enganação perderia sua força.

 

O pai disse: “sinta o medo, mas também veja a beleza delas”. Disse também: “observe como o medo pára,  te dificulta ver o que é belo e legal”. O pai simplesmente transformava em palavras o que estava acontecendo no momento.

 

Viver no presente transforma a mente das pessoas. A aceitação é passo necessário. É a aceitação que permite focar no presente sem reduzir a realidade. Eu aceito que tenho medo, aceito que as borboletas são lindas, aceito que quero viver o medo e apreciar as borboletas, aceito que é assim que posso aprender algo, aceito que é assim que fortaleço minha mente, aceito que posso viver tudo isto ao mesmo tempo.

 

A aceitação é uma forma de ampliar a experiência da vida. Foi o que a menina fez: ela manteve o medo e também a experiência de estar observando-as de perto. Fez duas coisas ao invés de uma: fugir. E o principal: aprendeu com a experiência vivida.

 

O objetivo da vida é a evolução. Para evoluir é necessário aprender e experimentar – isto acontece mais intensamente quando vivemos no presente. Uma das perguntas que devemos sempre nos fazer em cada situação é: o que devo escolher para poder aprender algo? Fugir não ensinaria nada. Ficar poderia ensinar. A garota escolheu a possibilidade de aprender algo. Ela escolheu o melhor para ela e para sua evolução.

Se ela saísse correndo, em 10 segundos poderia ter deixado o local. Com a aceitação ela teve mais de 10 minutos para experimentar ficar lá, observando e interagindo com as borboletas. A aceitação significa mais tempo para aprender.

 

Um pai descobriu que a filha estava grávida. Viveu ao mesmo tempo a raiva, a tristeza e o amor. O neto nasceu e ele ajudou a criá-lo. Sua avaliação após vários meses foi que ele havia mudado muito depois da gravidez da filha. Esta mudança foi facilitada porque ele aceitou a situação e vivenciou raiva, tristeza e amor ao mesmo tempo.

 

Um pai cujo filho era homossexual disse que jamais aceitaria e que lutaria para tirá-lo desta situação. Ele confundia aceitar com concordar ou desistir do filho. Aceitar não é concordar e nem abandonar. Aceitar é viver a realidade de modo completo. O filho era homossexual, o pai sofria por não gostar da opção sexual; ao mesmo tempo amava o filho, era seu amigo, tinha orgulho dele em outras áreas da vida. Aceitar é igual a dizer que o pai não precisava destruir tudo por causa da sexualidade. E foi o que aconteceu: ele continuou não gostando da opção sexual e voltou a conviver próximo do filho. Quanto mais o amava e era amigo do filho mais lhe doía a escolha do filho. Pai e filho teriam mais tempo para processar as experiências da vida. Mas, o carinho entre eles foi recuperado.

 

Aceitação é uma postura interior que pode ser comparada com um silêncio. Uma das suas qualidades está descrita no conto abaixo.

 

“Perguntaram a um sábio: cite uma das mais importantes habilidades que você desenvolveu para alcançar a felicidade.

 

Ele respondeu: antes de cada atitude eu silencio minha mente. Nestes momentos de silêncio interior, eu esqueço toda a lógica que me obrigava a tomar aquela atitude. Quando retorno é comum descobrir que nada do que iria fazer tinha real importância ou me faria bem.

 

O sábio ensinou que não podemos ficar escravos de nossas cadeias de pensamentos e sentimentos. Nossas imaturidades, condicionamentos, vícios e má avaliações nos levam a construir uma vida com muito menos satisfação, eficiência e realização”.

 

A aceitação é como este silêncio interior. Aos poucos, as cadeias de pensamentos e sentimentos vão se enfraquecendo, permitindo a transformação da pessoa. O começo do processo é viver todos os “lados da mente”, o final é o enfraquecimento deles e a transformação pessoal.

 

Depois de 10 minutos observando as borboletas e conversando com seu pai, a menina começou a expressar outras áreas da mente. Ela ficou encantada, interessada, motivada, energizada;  eram sintomas exteriores de mudanças interiores. Ela não seria mais a mesma. Ela aprendeu a gerar o novo dentro dela. Este modelo existe para todos; permitir que da contradição apareça o novo e o aprendizado. Junto do aprendizado vem a mudança que emana do interior de cada um.

 

Este modelo de transformação é usado por todos, algumas vezes. Quase sempre usam-no de modo inconsciente, sem saber o que realmente estão fazendo e o que dá certo ou não.

Agora, você pode usá-lo com consciência.

 

Regis Mesquita