A senhorinha do bingo
Numa manhã comum de quinta-feira, ouvi do Sr. Geraldo, o taxista que me conduzia para o trabalho, duas histórias interessantes, que me fizeram pensar…
Seu Geraldo, um senhor de aproximadamente 65 anos, cabelos brancos e olhos azuis, trazia no rosto o charme de quem na juventude era reconhecido como o galã das donzelas. Com simpatia e sem ser invasivo, “jogou a isca” fazendo um comentário sobre o tempo, como forma de avaliar se eu seria o tipo de passageira que estaria disposta a conversar, ou iria calada, absorta nos meus próprios pensamentos, sem dizer um “A”. Eu, de bem com a vida e disposta a “viver” de uma forma mais “humana”, dei todos os sinais de que poderia contar com a minha companhia.
Não demorou muito para que o Seu Geraldo movesse a conversa para o prazeroso mundo dos avôs. “Sabe menina, bom mesmo é ser avô. Você não precisa ter responsabilidade, ou se preocupar em educar. Quando chego em casa antes do almoço e meu netinho está lá, faço para ele um sinal de silêncio e quando a minha mulher dá as costas, eu dou logo a ele um chocolate, mesmo sabendo que irá estragar o almoço”. Mesmo no banco de trás, percebi o seu rosto se iluminar ao contar uma de suas travessuras, com o jeito de um garoto maroto, que revive o prazer da malandragem ao compartilhar a história.
O tráfego fluía bem e o Sr. Geraldo continuava a falar da vida, da época em que namorava sua mulher, de como o tempo havia mudado em relação as loucuras do mundo de hoje. Quando estávamos quase chegando, meu mais novo amigo taxista me entregou seu cartão de visita. “Olha menina, se precisar de mim, pode ligar, eu trabalho durante a noite. Muitas das minhas clientes são as senhoras que vão ao Bingo de madrugada”.
Para mim, aquela história era totalmente inédita. Eu sei que apesar das Casas de Jogos serem proibidas, há muitos Bingos clandestinos. No entanto, não conhecia ou imaginava que alguém que fosse frequentador assíduo. “É menina, é muito triste”, continuou Seu Geraldo. “Eu até dou razão a elas. Uma Senhorinha me contou que não tem o menor problema em gastar seu dinheiro em jogos. Boa parte do seu dinheiro vai para os remédios e ela faz questão de não deixar nada da herança para a nora ingrata que impede o seu filho de visitá-la”. Percebi que Seu Geraldo comungava da mesma indignação de sua cliente. “Você acredita menina, que o filho dela tem de ir escondido a casa dela.” Quanto mais o taxista contava a história da Senhorinha, mais eu compreendia o que fazia com que pessoas como ela precisassem preencher o vazio do dia a dia, em um ambiente artificial e sedutor como as casas de jogos.
Seu Geraldo continuava a contar: “Ela sempre me fala, que se fica em casa, perde o sono, não aguenta mais assistir à TV e não tem ninguém para conversar. Pelo menos lá no Bingo, a noite passa bem rápido e quando amanhece, podia ir tranquila para casa”.
Duas histórias. Seu Geraldo, curtindo o netinho, encontrou um novo propósito. A Senhorinha do Bingo dedicou-se a um passa tempo para atenuar a solidão e o desespero de olhar para o relógio e não ver as horas passarem. Seu Geraldo trazia no rosto um sorriso suave, como uma criança que sabe aproveitar as alegrias de um momento. A Senhorinha do Bingo, pela descrição do meu amigo taxista, parecia trazer a amargura em seu semblante, a frustração de quem havia perdido a razão para se viver.
A vida não é um conto de fadas, todos nós sabemos disso. A felicidade, não é um estado de êxtase constante. Disso, também sabemos.
Com estas duas pequenas histórias, deixo aqui algumas perguntas para refletir:
Neste mundo agitado, cheio de compromissos, somos capazes de “parar” e curtir os momentos como Seu Geraldo tem feito com o seu netinho?
Será que temos em nosso ciclo de amizades ou de família, uma “Senhorinha do Bingo” a quem poderíamos doar um pouco de nosso tempo e mudar ao menos um capítulo de uma história de solidão?
É… vale a reflexão…
“a la” Seu Geraldo. O taxi está livre…
Andriana Dantas