A rosa e o louco
A rosa vermelha amarrada ao pé do louco é uma imagem que não me sai da cabeça, faz tempo. O homem negro, nu, chegou com a pele brilhante, o riso esboçado, completamente alheio à paisagem em sua volta. Todos os olhares convergiram para a sua nudez, e o louco caminhava firme, indiferente ao alvoroço que provocava nas dezenas de pessoas na praia.
Sem ter superado de todo o meu fascínio pela loucura, observei atenta cada passo marcado do homem, que vinha agora quase em minha direção. Uma marcha para a frente, e lá estava ele diante de mim, mirando o mar. Observei no seu tornozelo esquerdo uma rosa vermelha presa com um cordão encardido, sua única indumentária. O homem louco ornava-se antes do caminhar incerto e engendrava delicadezas antes de sair errante, até dar no mar, com deslumbramento de criança.
Sem tirar os olhos do homem, pensei na beleza que tinge suavemente a loucura. No poder da poesia que enrubrece a insanidade sem cor. Refleti sobre as pontes que se fazem entre as águas bravias do inconsciente e a árida lucidez dos que jamais enlouquecem. Entendi que o homem, louco, se cobria com a veste mais íntima do seu delírio; e com sua demência amparava a fragilidade da flor.
Inclinando parcialmente o corpo e levantando a perna esquerda, o louco desatou o nó da corda encardida e deitou com maciez a rosa sobre a areia. Sorrindo para o nada, caminhou em direção ao mar e atirou-se com felicidade às águas que pareciam esperar-lhe. Antes mesmo do primeiro mergulho, dois salva-vidas saltaram sobre o homem, que continuava a sorrir, trazendo-o de volta à areia, agora seguro pelos dois braços.
Já em terra, o homem apanhou o cordão encardido, ajeitou suavemente a rosa vermelha no tornozelo, e saiu andando com um sorriso matreiro na direção da rua.
Tania regina Contreiras