A arte da convivência
Por que será tão difícil a convivência entre diferentes? E, se todo mundo é diferente em alguma medida, será a convivência harmoniosa uma utopia?
Conviver é uma antiga arte que ainda precisamos aprender a apreciar. Conviver significa viver junto, ocupar um espaço comum, compartilhar o pão, comungar.
Entre todos os desafios que temos a vencer para conquistarmos o estado da convivência, o mais premente e que fundamenta toda a experiência de convívio é a tolerância. A capacidade de aceitar o outro tal como ele é, compreendendo que sua distinção, sua peculiaridade, é também o diferencial que dá o real valor da existência de cada um.
É porque cada um é único que todos são imprescindíveis. Se fossemos frutos de uma linha de produção, com personalidades, feições, gostos e crenças em série, seríamos descartáveis, pois haveria sempre alguém para nos substituir. Esse conjunto raro que formamos nos faz insubstituíveis, e preciosos. A tolerância está baseada no entendimento desta premissa e sua aplicação. Enxergar em cada ser humano um indivíduo único e especial nos faz aceitar sua condição de um modo especialmente acolhedor.
Outra qualidade necessária para a convivência é a paciência, a ciência da paz. A capacidade de ajustar nossas expectativas ao tempo e à condição do outro. Ser capaz de acelerar ou diminuir o ritmo de acordo com a velocidade que o outro funciona, compreender as dificuldades que cada ser apresenta e ser especialmente paciente com a incompreensão e a ignorância, que não são pecados, mas estados de consciência.
É preciso levar em conta que toda ação é fruto do nível de consciência, ou seja, da compreensão da realidade, em que o indivíduo se encontra. Exercitar a paciência com aqueles que precisam alargar horizontes é uma forma de se aproximar ainda mais daqueles que, pacientemente, esperam pelo nosso próprio desenvolvimento. A consciência não dá saltos, mas podemos subir rapidamente seus degraus, dependendo de estarmos ou não acordados durante a jornada da vida.
A terceira qualidade necessária para a convivência é a gentileza. Praticar esta arte é uma forma de colorir nossos dias, abençoar nossos passos e perfumar o instante. Assim como guardar mágoa de alguém é envenenar-se, exercitar a gentileza é um poderoso elixir de bem estar e saúde emocional. O ser gentil é, por si só, um indivíduo mergulhado no bem. Há algo poderoso na prática da gentileza, pois afeta profundamente a realidade, modificando-a. A começar pelo praticante e depois imprimindo sua marca em cada um com quem o indivíduo gentil cruzar pela vida.
A mágica está disponível a qualquer um. Temos o poder de modificar comportamentos com a oferta da gentileza. Vamos sistematicamente criando um campo, uma aura de bem estar e bem viver, um espaço físico, mental, emocional e espiritual de grande amplitude. Este campo se estende além de nós, através de todos os indivíduos que são tocados por ele e segue fazendo sua transformação em outros indivíduos, com os quais não temos contato direto, mas que são tocados pela reverberação de nossa gentileza. Funciona como ondas que se propagam pelo contato e se estendem de acordo com a quantidade de calor que colocamos em prática. Ao oferecermos a gentileza calorosamente, podemos estender sua influência para muito além de nós, atingindo camadas de pessoas, como as ondas formadas por uma pedra atirada num lago.
Com a prática da tolerância, da paciência e da gentileza, vamos chegar ao amor incondicional, um estado de aceitação plena do outro, sem julgamentos, sem críticas, pura compreensão. Amor é compreensão. Este estado de aceitação incondicional, de esperança no melhor de cada um, esta abertura para as dificuldades entendendo-as como passos no processo do desenvolvimento, é o que costumamos chamar de paz. Chegaremos à paz através do amor incondicional, que é fruto da tolerância, da paciência e da gentileza.
E com paz, finalmente poderemos conviver. A humanidade pode se transformar numa mesma e só família se cada um começar por si mesmo, alterando seus padrões mentais, suprimindo o julgamento, eliminando o medo da diferença e aceitando incondicionalmente cada outro. Parece uma utopia, mas já está ao seu alcance. Exercite as bases da convivência e não se espante se a pessoa mais feliz for você.
Dulce Magalhães